quinta-feira, 21 de junho de 2012

MIUT resumo - segunda parte

O dia da prova


6h estávamos a bordo do transporte da CMFunchal. Dois autocarros cheios de gente atordoada; era sábado e demasiado cedo. Tratei de comer durante a viagem, bolachas, frutos secos e passas, tudo bem calórico mas pouco típico nos meus pequenos almoços citadinos.


Atravessámos a ilha via túnel da Serra de Água e iniciámos a longa subida para o Arieiro, despontava já o Sol no horizonte. Lembro-me de pensar: ‘estou a viver um dos meus sonhos! É hoje, estou mesmo aqui!!!’ ao que se seguiu outro pensamento ‘...é precisa alguma plasticidade mental, para retirar prazer do que muitos julgam tortura...levantar-me a meio da noite para vir correr...fazer uma prova na montanha...chegar aqui foi já a maior vitória do dia!’. Acho que também pensei ‘...paguei para levar uma sova descomunal, que sentido tem isto?!?’, tudo sinais de que a minha sanidade mental me tinha abandonado e estava àquela hora em casa, provavelmente estendida no sofá :)


Paisagem e chegada do autocarro ao Pico do Arieiro


Alguns metros abaixo do radar militar estava instalado o insuflável do clube de Montanha do Funchal. Eram 7h45. Ultimas fotos, nuvens lá em baixo a atapetar o horizonte e a ocultar um oceano imenso.


Pela encosta subiam dispersos alguns atletas dos 100, que chegavam aqui com ~45 km nas pernas e uma noite inteira de prova. Tinham ali um controlo, viriam extasiados por terem assistido  ao nascer do sol no topo  da ilha ou extenuados de tanto subir, tudo dependeria do nível de treino de cada um e da disponibilidade psicológica para aproveitar o momento. Algum vento, visto o impermeável, certo de que o aguentaria pouco tempo. Faltam minutos, faltam 10 minutos...
contagem decrescente

8h – madeira island ultra trail, off we go…!
A vereda do Pico do Areeiro ao Pico Ruivo numa palavra: memorável! Não pude evitar sacar algumas fotos em andamento.

primeiros metros após Pico do Arieiro




Fotos:organização do MIUT
 



A primeira fase seguiu pela 'vereda' empedrada, ora pela crista rochosa ora na vertente sul, exposta ao Sol recém nascido.


Quilómetros iniciais - km1> km4











Troço anterior ao  Pico Ruivo - 1ºCP










Quilómetros iniciais - pormenor km2



Ainda a vertente Sul - foto da org.
  O bom ritmo na ligação Areeiro –Ruivo deu lugar a um ritmo muito cauteloso na descida para a Encumeada. A transição para a encosta Norte, sem exposição solar, trouxe trilhos húmidos e pedras escorregadias que podiam ditar um abandono precoce.


Chegado a Encumeada, km 19, 2º abastecimento e 1ª desatenção:

 entrei na primeira levada do percurso, contente por finalmente poder esticar a passada em terreno plano. À entrada de um túnel havia um aglomerado de anafados madeirenses que ocupavam a entrada. Com a pressa, passei entre eles e não reparei nas fitas, que ‘apontavam’ para o interior do túnel…

...e segui alegremente pela levada...

...só uns bons minutos depois comecei a estranhar a completa ausência de fitas. Perguntei a 2 turistas que simpaticamente me indicaram o tal túnel, ‘some fifteen minutes back’ (eles vinham mais atentos que eu!) 


o lapso!
Encurtando o relato, após outro pequeno engano e muitos kms a subir escadas + 1abastecimento, ultrapassei e fui ultrapassado por alguns atletas dos 100. Gente rija que não passava sem uma palavra de incentivo ou simpatia, uns mais conversadores que outros, dependendo do fôlego e do terreno.


Por volta do km35 iniciou-se ‘A’ descida. Nos calções levava uma folha A4 de papel com a altimetria para consultar em caso de emergencia psicologica. Que Maçarico! (Conselho pratico#2: plastificar sempre a altimetria) Lá desdobrei a folha umas quantas vezes durante a descida, a tinta verde tinha desbotado, de cada vez se rasgava mais um pedaço... Mas de cada vez lá ia confirmando, olhava a folha, olhava o gps, olhava a folha, olhava o gps...ainda faltava muito... km38 e a descer...
Pormenor km38 - a descida interminável
A altitude parecia não baixar, 900, 800, 700m... a descrição da organização no website era sucinta mas muito ajustada: “Uma longa descida para o Chão da Ribeira, através da vereda da Terra Chã (…). A descida apresenta-se, na sua parte final, bastante escorregadia, com alguma pedra dissimulada sob a folhagem das árvores. Um autêntico must para os amantes das descidas...” Pedra dissimulada:check! Pedra escorregadia: check! Folhagem escorregadia:check! Claramente eu não sou amante delas! 


Por volta dos 200m passou por mim o João Garcia, fazia a distancia maior, simpaticamente perguntou se estava tudo bem e solidarizou-se, pois a "uma descida destas dói nos joelhos a todos"  e aposto que, como eu, nestas coisas do trail prefere as subidas! :)



Pormenor - km38 >km42 - Vale  - CP Chão da Ribeira

Abastecimento líquido no Chão da Ribeira e toca a trepar rumo ao Fanal. Já com 39 km nas pernas, afigurava-se difícil. Fui a par com dois espanhóis, a Francesca e o Eduardo(soube depois que não terminaram), aqui e ali um breve momento para contemplar a paisagem/acalmar a pulsação, o coração parecia ter-se deslocado e instalado definitivamente no pescoço…
Pormenor da subida infinita - km40



Chego ao Fanal com o GPS a exibir a mensagem ‘bateria fraca’. E não era só o GPS...


Comi o que pude no CP e segui. A planta de ambos os pés gritava pelo fim do suplicio mas ainda faltavam uns quantos troços, muitos deles a descer. Nesta fase apanhámos uma levada que pareceu interminável. A minha folha da altimetria tinha ficado no lixo, rasgada e ensopada, o gps já se tinha desligado. Fiz alguns kms em piloto automático no passo mais rápido que ainda conseguia, intercalado com corridas curtas. Nas descidas segiuntes passou por mim um francês, ultrapassei dois madeirenses, um companheiro dos 55km vinha a rebocar outro dos 100 que se vinha a queixar de assaduras em zona ‘crítica’... ainda trocámos umas palavras, surpreendentemente perguntava-me se estava a gostar da prova, tudo servia para distrair a mente do esforço...! 

Cheguei a Ribeira da Janela e o CP foi a desculpa que precisava para me sentar um pouco. Alguma galhofa com o pessoal do INEM e com os Madeirenses presentes e lá me atirei ao ultimo troço. Neste ponto percebi que ia chegar atrasado a Porto Moniz, sem qq hipótese de ver o início do primeiro jogo da selecção portuguesa no europeu. E a namorada à espera... já lá iam mais de 12h... +de meio dia nisto,tinha de apressar o passo!


Pouco depois chegava à estrada regional, junto ao mar. Aqui as pernas adquiriram outra leveza. Porto Moniz em linha de vista, Sol quase posto, missão quase cumprida. Entrada na vila, cumprida a rotunda... e uma onda de alegria imensa :) :)


Foto na chegada - organização MIUT

Por qualquer razão não fui entrevistado... mas, se tivesse sido, as minhas palavras seriam as do bravo Armando Teixeira, que limpou o percurso dos 100km em apenas 12h49!!

Entrevista com o vencedor, Armando Teixeira www.youtube.com/watch?v=zce_2Twp0tQ


Competição ou entreajuda?
Domingo foi dia de regresso ao continente. No aeroporto do Funchal eram várias as personagens que se moviam de forma lenta e particular, eu incluido, todos bem dispostos mas sem vontade de apoiar os pés ou dobrar demasiado as pernas :) A meio da penosa subida das escadas para o avião olhei para cima e vi uma mão estendida: era um magro atleta francês que também coxeava degraus acima e me oferecia ajuda..!! Como o meu francÊs é quase tão bom como o meu japonês, resumi o meu agradecimento a um 'merci' e um boa uma gargalhada :) :) Acho que ilustra bem o espírito de quem participa nestas provas e com o qual me identifico inteiramente!

Estes foram dias bem passados na ilha, voltarei para os reviver numa próxima edição, é certo! Contarei de certeza com a mesma simpatia da organização e voluntários, que proporcionaram a todos um evento animado e sem falhas, bem enquadrado pelas paisagens belíssimas da Madeira. Obrigado a todos!

 (Na minha opinião,a melhor foto de todo o evento: um companheiro italiano na prova de 100km assiste ao despontar do Sol sobre o manto de nuvens, perto do pico do Arieiro! Priceless...!!)       

Fotos por: Organização do MIUT
   




Website do evento: http://madeiraultratrail.com/pten/index.php/pt




PS: acho que tenho agora um ponto para o UTMB. Posso conservar no frigorífico ou é preciso congelar?

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