quinta-feira, 21 de junho de 2012

Madeira Island Ultra Trail - resumo - primeira parte

Magnífico…!


Adorei o percurso do Ultra Trail da Madeira (aka MIUT), vai ficar-me gravado na retina permanentemente!


As minhas pernas, de memória mais curta, tiveram a prova bem presente durante uma semana inteira... só hoje (19Jun) tentei o primeiro treino -curto- pós-evento, já sem dores. Mas o melhor é não começar pelo fim:

Preparação


A ideia de participar no MIUT já germinava em 2011. No ano passado acompanhei a prova pelos relatos na Web e troquei impressões com um amigo que tentara realizar a travessia a pé com base no track gps da prova de 2010. Reunida a vontade e espicaçada a curiosidade, inscrevi-me na prova de 55km nos idos de Janeiro, marquei uns dias de férias com a Catarina e reservei tudo.


Seria para mim um bom desafio e o passo lógico a dar, depois de concluir algumas provas acima dos 40km, como a de  Almourol no inicio de Abril. Pensei que mais ~15km não seriam obstáculo intransponível se mantivesse o nível de treino. Bastava introduzir uma boa componente de rampas, só não sabia bem que quantidade ou declive :)


A um mês da prova consultei as informações da organização, já estavam  .kml e altimetria disponíveis. E comecei a ter consciência do que me esperava...



 “A prova intermédia, o Trail 55, com 2790 mts de desnível positivo e 4575 mts de desnível negativo, terá o seu início nas imediações do Pico do Arieiro.”
 Nesta fase lembro-me de fazer várias tentativas mentais de associar o desnível acumulado com o D+ de outras provas ou com elevações que conheço, percebendo de quais seriam 2790m o seu múltiplo. Que inocente da minha parte…! Nem olhei para o outro número, 4575m ...  
Conselho prático #1: Nunca descurar o declive negativo


Contagem descrescente


Aterrámos na ilha quarta-feira (dia D-3), breve deslocação a Câmara de Lobos para repor os níveis de espetada madeirense e poncha. No dia seguinte, caminhada na levada do Caldeirão Verde/Caldeirão do Inferno partindo de Queimadas. Vinte kms imersos num verde indescritível…



Nesse mesmo dia, chegámos a Porto Moniz, pelo contorno tortuoso das estradas regionais da costa Norte, decididos a castigar algo típico. Vítimas: filetes de espada com banana - bem gostosos!



D-1 check in e descanso

Sexta-feira foi dia de evitar tentações: tantas levadas pela ilha, mesmo ali, a pedir valentes caminhadas… mas tinha de descansar.


Fui ao secretariado logo de manhã, faltava-me o copo plástico que estava na lista de material obrigatório… Loja dos chineses, aqui vou eu – sim, claro que existe uma em Porto Moniz – e escolhi um devidamente ridículo. As opções eram poucas e só entre  'ridículo infantil' e 'ridículo com flores'. Aleatoriamente, calhou florido. Por mais 7euros ainda trouxe mais uma lanterna led e pilhas, para ‘usar em caso de túnel’.  






Voltei ao secretariado e fiz o check in mesmo a seguir ao Carlos Sá – ainda traz a pele crestada da MDSables.  Seguimos para um passeio de automóvel pelo monte até Encumeada, com regresso a Porto Moniz, ainda cedo.


O ambiente em torno  do Centro de Ciência Viva (secretariado e meta), era já muito animado, atletas e famílias deambulavam por ali e um pouco por toda a pequena vila. Aproveitámos para comprar o pequeno almoço do dia seguinte no comércio local. Faltava um par de horas para sair o autocarro que levaria os atletas dos 100km para a partida…
Escolhemos o restaurante para comer umas massas, era inevitável.  Na sala estavam vários grupos em ambiente tranquilo, portugueses mas também brasileiros, alemães, até o próprio Armando Teixeira com família e amigos, faziam pedidos extra-carta: muito esparguete com pouco frango, muitas massas com pouca carne…  só posso imaginar a expressão incrédula da responsável de cozinha a cada pedido que entrava!:) Eu sucumbi aos encantos de uma lasanha de atum. Ainda reparei que só os alemães optaram pela hidratação com caneca de litro, Coral à pressão para relaxar da tensão pré-evento. Já diria a minha avó “Quem vai para o monte atesta em Porto Moniz :)



Às 21h30, já noite escura, os candidatos da prova-mãe iniciavam a travessia. Primeiro num autocarro em direcção a Machico, depois um regresso por meios próprios, com início marcado às 0h00. No meu caso, a participar na prova de 55km, teria de entrar no autocarro às 6h para o Pico do Arieiro pelo que era tempo de recolher à residencial para uma curta soneca...

MIUT resumo - segunda parte

O dia da prova


6h estávamos a bordo do transporte da CMFunchal. Dois autocarros cheios de gente atordoada; era sábado e demasiado cedo. Tratei de comer durante a viagem, bolachas, frutos secos e passas, tudo bem calórico mas pouco típico nos meus pequenos almoços citadinos.


Atravessámos a ilha via túnel da Serra de Água e iniciámos a longa subida para o Arieiro, despontava já o Sol no horizonte. Lembro-me de pensar: ‘estou a viver um dos meus sonhos! É hoje, estou mesmo aqui!!!’ ao que se seguiu outro pensamento ‘...é precisa alguma plasticidade mental, para retirar prazer do que muitos julgam tortura...levantar-me a meio da noite para vir correr...fazer uma prova na montanha...chegar aqui foi já a maior vitória do dia!’. Acho que também pensei ‘...paguei para levar uma sova descomunal, que sentido tem isto?!?’, tudo sinais de que a minha sanidade mental me tinha abandonado e estava àquela hora em casa, provavelmente estendida no sofá :)


Paisagem e chegada do autocarro ao Pico do Arieiro


Alguns metros abaixo do radar militar estava instalado o insuflável do clube de Montanha do Funchal. Eram 7h45. Ultimas fotos, nuvens lá em baixo a atapetar o horizonte e a ocultar um oceano imenso.


Pela encosta subiam dispersos alguns atletas dos 100, que chegavam aqui com ~45 km nas pernas e uma noite inteira de prova. Tinham ali um controlo, viriam extasiados por terem assistido  ao nascer do sol no topo  da ilha ou extenuados de tanto subir, tudo dependeria do nível de treino de cada um e da disponibilidade psicológica para aproveitar o momento. Algum vento, visto o impermeável, certo de que o aguentaria pouco tempo. Faltam minutos, faltam 10 minutos...
contagem decrescente

8h – madeira island ultra trail, off we go…!
A vereda do Pico do Areeiro ao Pico Ruivo numa palavra: memorável! Não pude evitar sacar algumas fotos em andamento.

primeiros metros após Pico do Arieiro




Fotos:organização do MIUT
 



A primeira fase seguiu pela 'vereda' empedrada, ora pela crista rochosa ora na vertente sul, exposta ao Sol recém nascido.


Quilómetros iniciais - km1> km4











Troço anterior ao  Pico Ruivo - 1ºCP










Quilómetros iniciais - pormenor km2



Ainda a vertente Sul - foto da org.
  O bom ritmo na ligação Areeiro –Ruivo deu lugar a um ritmo muito cauteloso na descida para a Encumeada. A transição para a encosta Norte, sem exposição solar, trouxe trilhos húmidos e pedras escorregadias que podiam ditar um abandono precoce.


Chegado a Encumeada, km 19, 2º abastecimento e 1ª desatenção:

 entrei na primeira levada do percurso, contente por finalmente poder esticar a passada em terreno plano. À entrada de um túnel havia um aglomerado de anafados madeirenses que ocupavam a entrada. Com a pressa, passei entre eles e não reparei nas fitas, que ‘apontavam’ para o interior do túnel…

...e segui alegremente pela levada...

...só uns bons minutos depois comecei a estranhar a completa ausência de fitas. Perguntei a 2 turistas que simpaticamente me indicaram o tal túnel, ‘some fifteen minutes back’ (eles vinham mais atentos que eu!) 


o lapso!
Encurtando o relato, após outro pequeno engano e muitos kms a subir escadas + 1abastecimento, ultrapassei e fui ultrapassado por alguns atletas dos 100. Gente rija que não passava sem uma palavra de incentivo ou simpatia, uns mais conversadores que outros, dependendo do fôlego e do terreno.


Por volta do km35 iniciou-se ‘A’ descida. Nos calções levava uma folha A4 de papel com a altimetria para consultar em caso de emergencia psicologica. Que Maçarico! (Conselho pratico#2: plastificar sempre a altimetria) Lá desdobrei a folha umas quantas vezes durante a descida, a tinta verde tinha desbotado, de cada vez se rasgava mais um pedaço... Mas de cada vez lá ia confirmando, olhava a folha, olhava o gps, olhava a folha, olhava o gps...ainda faltava muito... km38 e a descer...
Pormenor km38 - a descida interminável
A altitude parecia não baixar, 900, 800, 700m... a descrição da organização no website era sucinta mas muito ajustada: “Uma longa descida para o Chão da Ribeira, através da vereda da Terra Chã (…). A descida apresenta-se, na sua parte final, bastante escorregadia, com alguma pedra dissimulada sob a folhagem das árvores. Um autêntico must para os amantes das descidas...” Pedra dissimulada:check! Pedra escorregadia: check! Folhagem escorregadia:check! Claramente eu não sou amante delas! 


Por volta dos 200m passou por mim o João Garcia, fazia a distancia maior, simpaticamente perguntou se estava tudo bem e solidarizou-se, pois a "uma descida destas dói nos joelhos a todos"  e aposto que, como eu, nestas coisas do trail prefere as subidas! :)



Pormenor - km38 >km42 - Vale  - CP Chão da Ribeira

Abastecimento líquido no Chão da Ribeira e toca a trepar rumo ao Fanal. Já com 39 km nas pernas, afigurava-se difícil. Fui a par com dois espanhóis, a Francesca e o Eduardo(soube depois que não terminaram), aqui e ali um breve momento para contemplar a paisagem/acalmar a pulsação, o coração parecia ter-se deslocado e instalado definitivamente no pescoço…
Pormenor da subida infinita - km40



Chego ao Fanal com o GPS a exibir a mensagem ‘bateria fraca’. E não era só o GPS...


Comi o que pude no CP e segui. A planta de ambos os pés gritava pelo fim do suplicio mas ainda faltavam uns quantos troços, muitos deles a descer. Nesta fase apanhámos uma levada que pareceu interminável. A minha folha da altimetria tinha ficado no lixo, rasgada e ensopada, o gps já se tinha desligado. Fiz alguns kms em piloto automático no passo mais rápido que ainda conseguia, intercalado com corridas curtas. Nas descidas segiuntes passou por mim um francês, ultrapassei dois madeirenses, um companheiro dos 55km vinha a rebocar outro dos 100 que se vinha a queixar de assaduras em zona ‘crítica’... ainda trocámos umas palavras, surpreendentemente perguntava-me se estava a gostar da prova, tudo servia para distrair a mente do esforço...! 

Cheguei a Ribeira da Janela e o CP foi a desculpa que precisava para me sentar um pouco. Alguma galhofa com o pessoal do INEM e com os Madeirenses presentes e lá me atirei ao ultimo troço. Neste ponto percebi que ia chegar atrasado a Porto Moniz, sem qq hipótese de ver o início do primeiro jogo da selecção portuguesa no europeu. E a namorada à espera... já lá iam mais de 12h... +de meio dia nisto,tinha de apressar o passo!


Pouco depois chegava à estrada regional, junto ao mar. Aqui as pernas adquiriram outra leveza. Porto Moniz em linha de vista, Sol quase posto, missão quase cumprida. Entrada na vila, cumprida a rotunda... e uma onda de alegria imensa :) :)


Foto na chegada - organização MIUT

Por qualquer razão não fui entrevistado... mas, se tivesse sido, as minhas palavras seriam as do bravo Armando Teixeira, que limpou o percurso dos 100km em apenas 12h49!!

Entrevista com o vencedor, Armando Teixeira www.youtube.com/watch?v=zce_2Twp0tQ


Competição ou entreajuda?
Domingo foi dia de regresso ao continente. No aeroporto do Funchal eram várias as personagens que se moviam de forma lenta e particular, eu incluido, todos bem dispostos mas sem vontade de apoiar os pés ou dobrar demasiado as pernas :) A meio da penosa subida das escadas para o avião olhei para cima e vi uma mão estendida: era um magro atleta francês que também coxeava degraus acima e me oferecia ajuda..!! Como o meu francÊs é quase tão bom como o meu japonês, resumi o meu agradecimento a um 'merci' e um boa uma gargalhada :) :) Acho que ilustra bem o espírito de quem participa nestas provas e com o qual me identifico inteiramente!

Estes foram dias bem passados na ilha, voltarei para os reviver numa próxima edição, é certo! Contarei de certeza com a mesma simpatia da organização e voluntários, que proporcionaram a todos um evento animado e sem falhas, bem enquadrado pelas paisagens belíssimas da Madeira. Obrigado a todos!

 (Na minha opinião,a melhor foto de todo o evento: um companheiro italiano na prova de 100km assiste ao despontar do Sol sobre o manto de nuvens, perto do pico do Arieiro! Priceless...!!)       

Fotos por: Organização do MIUT
   




Website do evento: http://madeiraultratrail.com/pten/index.php/pt




PS: acho que tenho agora um ponto para o UTMB. Posso conservar no frigorífico ou é preciso congelar?

Trail de S. Mamede



Participei na prova de 28km (30km no garmin), integrado no belíssimo evento do 1º Ultra Trail de S.Mamede - Portalegre. Depois aproveitei para visitar alguns CPs e tirar fotografias dos atletas que faziam a prova-mãe, de 100km, no interior do Parque Natural de S.Mamede.

Foi com enorme entusiasmo que participei pois esta é uma região que conheço bem e onde tenho todas as minhas raízes familiares. Aqui passei muitos fins de semana e férias na infancia mas não imaginava então que existiam tantos trilhos e paisagens a descobrir e mais: que podia fazê-lo a correr! :)

Vou tentar em breve redigir um relato mais elaborado, por enquanto ficam os links para os milhares de fotos que se proporcionaram:
galeria da organização

facebook - minhas fotos


Apenas alguns pormenores 'altimétricos' da prova (estou fã do ggearth): 


o temível corta-fogo ao km10, comum aos 28km e 100km

 


aspecto da subida às antenas, segunda 'bossa' na altimetria, ao km18 da prova de 28km




altimetria (D+962m)







garmin report